sábado, 4 de março de 2017

As cidades invisíveis, de Italo Calvino



As cidades e o desejo: Zobeide 




A cidade de Zobeide, por Guilherme Lamb de Souza









Zobeide


"Naquela direção, após seis dias e sete noites, alcança-se Zobeide, cidade branca, bem exposta à luz, com ruas que giram em torno de si mesmas como um novelo. Eis o que se conta a respeito de sua fundação: homens de diferentes nações tiveram o mesmo sonho — viram uma mulher correr de noite numa cidade desconhecida, de costas, com longos cabelos e nua. Sonharam que a perseguiam. Corriam de um lado para o outro, mas ela despistava-os. Após o sonho, partiram em busca daquela cidade; não a encontraram, mas encontraram-se uns aos outros e decidiram construir uma cidade como a do sonho. Na disposição das ruas, cada um refez o percurso da sua perseguição; no ponto em que havia perdido as pistas da fugitiva, dispôs os espaços e a muralha de um modo diferente do do sonho para que desta vez ela não pudesse escapar.

A cidade era Zobeide, onde se instalaram na esperança de que uma noite a cena se repetisse. Nenhum deles, nem durante o sono nem acordado, reviu a mulher. As ruas da cidade eram aquelas que os levavam para o trabalho todas as manhãs, mas já sem qualquer relação com a perseguição sonhada. O que aliás havia sido esquecido há muito tempo.

Chegaram novos homens de outros países, que haviam tido um sonho como o deles, e na cidade de Zobeide reconheciam algo das ruas do sonho, e mudavam os pórticos e escadas de lugar para que o percurso ficasse mais parecido com o da mulher perseguida. Assim, no ponto onde ela tinha desaparecido, não haveria nenhuma avenida para a fuga.

Os recém-chegados não compreendiam o que atraía essas pessoas a Zobeide, uma cidade feia, uma armadilha."


CALVINO, Ítalo - As cidades Invisíveis, Lisboa, Dom Quixote, 2015




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